sábado, 22 de setembro de 2007

NYT destaca 'resistência política' de Lula












Ao jornal norte-americano, presidente reforçou otimismo com economia. Ele disse que não quer ser contrapeso à crescente força política de Chávez.

O "The New York Times" destacou a "resistência política" do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em reportagem distribuída por meio de sua agência de notícias neste sábado (22). A entrevista foi concedida no Palácio do Planalto na última quinta-feira (20) - veja a íntegra da reportagem.

O jornal destaca que, apesar dos últimos escândalos de corrupção no país, Lula mantém uma taxa de aprovação acima de 60% - na última quinta, o Ibope divulgou que 63% dos brasileiros
aprovam a maneira como Lula governa.

Segundo o NYT, "o crescimento econômico do país, combinado com sua grande popularidade entre os trabalhadores, dá a Lula uma resistência política diga de nota". O analista político David Fleischer, ouvido pelo jornal, chama Lula de "presidente teflon": "nada gruda nele", diz.

Ao ser questionado sobre uma possível disputa com o presidente Hugo Chávez, Lula se esquivou da idéia de transformar o Brasil em um contrapeso à crescente força política do venezuelano. "Nós aqui na América Latina não estamos procurando um líder", afirmou. "Só quero governar bem meu país".

Sobre o caso mensalão, o presidente não quis dizer se teria sido "traído". Ele voltou a defender o ex-ministro José Dirceu: "não acredito que haja nenhuma evidência de que ele cometeu os crimes de que está sendo acusado. Ele será julgado", disse.

Economia

Lula fez ainda um panorama positivo sobre a economia brasileira ao jornal. "Estamos vivendo um ótimo momento no Brasil", disse o presidente. O otimismo de Lula se estendeu ao mercado do álcool combustível. "Acredito que o mundo vai se render ao etanol", afirmou. Ele previu que, em 15 anos, a indústria de biocombustíveis estará desenvolvida e terá se transformado em uma commodity global.

Veja abaixo a íntegra da reportagem do "New York Times""Nos últimos meses, o clima político no Brasil foi como uma verdadeira panela de pressão para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O segundo acidente de avião de proporções letais no intervalo de dez meses desencadeou uma crise no setor de aviação do Brasil em julho e muitos adversários afirmaram que a falta de atitude do governo estava na raiz do problema. Em agosto, a suprema corte do país decretou que 40 membros do partido político do presidente fossem julgados por corrupção em um escândalo que capturou alguns de seus mais próximos assessores, incluindo seu ex-chefe de gabinete. Mas enquanto Lula, em seu segundo mandato, sentou-se durante uma entrevista de 75 minutos no palácio presidencial, essas preocupações não pareciam o aborrecer. Ele demonstrou otimismo, e com motivo.

Apesar das controvérsias, o índice de aprovação de Lula está em mais de 60%. O Brasil, maior economia da América Latina, cresceu em 3,5% ao ano, menos do que outros países em desenvolvimento como a China e a Índia, mas um índice que representou uma melhora acentuada em relação aos anos 90. Os níveis de dívida e o desemprego estão baixos. As reservas estão elevadas. A inflação está um terço menor do que há cinco anos. "Passamos por um momento promissor no Brasil agora", declarou Lula, 61, em sua primeira conversa mais prolongada com um jornalista americano desde 2004. "O Brasil atravessa seu melhor período econômico". Essa expansão, associada a sua ampla popularidade entre a classe trabalhadora do Brasil, proporcionou a Lula, ex-metalúrgico que estudou até o sexto ano e ex-operário de uma montadora, uma resistência política digna de nota. "Ele é o presidente teflon", declarou David Fleischer, analista político aqui e professor emérito da Universidade de Brasília. "Nada gruda no Lula". Isso inclui os escândalos que, a esta altura, teriam enfraquecido qualquer outra presidência. No entanto, Lula continuou negando que soubesse de qualquer coisa sobre o mais recente deles, envolvendo membros do partido do governo acusados de pagar a deputados do congresso mais de US$ 10 mil por mês para votarem a seu favor. Ele se recusou a revelar se alguém em particular o traiu. "Existem centenas de funcionários à minha volta que fazem coisas das quais nem tenho idéia", disse Lula. Um deles, ao que tudo indica, foi o ex-ministro da Casa Civil de sua gestão, José Dirceu que, na opinião de muitos, foi o arquiteto da ascensão de Lula ao poder e também foi acusado de ser o cabeça do esquema de compra de votos. "Não acredito que haja qualquer prova de que Dirceu tenha cometido o crime de que é acusado", disse o presidente. "Ele será julgado". Recém chegado de uma viagem à Europa, onde instigou o interesse pelo combustível etanol brasileiro, fabricado da cana-de-açúcar, e obteve bilhões de dólares em garantias de investimentos, Lula estava na verdade focado na economia. Segundo Lula, a América Latina como um todo atravessa um momento crucial, quando decidiu aproveitar a oportunidade de fortalecer suas economias, famosas pela má administração e corrupção.

Ao mesmo tempo, ele deu de ombros diante de insinuações de que deveria buscar ser uma força hemisférica e um contrapeso mais forte ao presidente Hugo Chavez da Venezuela, que se apoderou agressivamente das atenções na região com suas negociações na área energética e manobras políticas em favor de candidatos da ala esquerda. "Nós na América Latina não estamos tentando buscar um líder", disse Lula. "Não precisamos de um líder. O que de fato precisamos é construir harmonia política porque a América do Sul e a América Latina precisam aprender a lição do século XX. Tivemos a oportunidade de crescer, tivemos a oportunidade de nos desenvolvermos, e perdemos essas oportunidades. Então continuamos sendo países pobres". "Tudo que quero é governar bem o meu país". Em geral, as relações são de simpatia com os Estados Unidos. Mas as relações do Brasil com a Venezuela foram abaladas algumas vezes à medida que o Brasil demonstrou resistência a algumas propostas de Chavez de maior integração regional. Na entrevista, porém, Lula demonstrou apoio tácito à criação de um "Banco do Sul", que forneceria verbas para o desenvolvimento. Ele disse ainda que mais de 50 especialistas da Petrobras, empresa estatal brasileira de petróleo, e representantes da Petroleos, da Venezuela, ainda estão em discussões sobre um projeto de duto de gás natural de US$ 15 bilhões que se estenderia por 8 mil quilômetros da Venezuela até a Argentina."

Acabar com o voto secreto é pura ilusão


ÉPOCA
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Acabar com o voto secreto é pura ilusão

RICARDO AMARAL é repórter especial de ÉPOCA em Brasília. Mais de uma semana depois da sessão de 12 de setembro, 46 senadores continuam declarando que votaram pela perda do mandato de Renan Calheiros, por quebra de decoro. Como foram 35 os votos pela cassação, pode-se chegar a três conclusões: a) 11 senadores são mentirosos; b) com voto aberto, Renan teria ido para casa; c) o voto secreto tem de acabar para reduzir a impunidade entre os políticos. A primeira conclusão é vergonhosamente óbvia, a segunda tem boa probabilidade de ser verdadeira, mas a terceira pode não passar de ilusão. No caso, uma ilusão de ética.
Episódios como a absolvição de Renan favorecem idéias ousadas que podem se revelar desastrosas. Em 1993, devastado pela CPI dos Anões do Orçamento, o Congresso aprovou uma Lei de Licitações que descrevia 17 novos crimes e tratava governantes e fornecedores como ladrões em potencial. Passados 14 anos, a Lei no 8.666 resultou em obras paradas, estatais dilapidadas e servidores amesquinhados, mas levou poucos gatunos à prisão. Sintonizada com o clamor da sociedade, foi a ilusão de ética daquela temporada.
Faz sucesso agora defender o fim do voto secreto no Legislativo. Trata-se de uma idéia fixa do PT, que costuma retornar nos surtos de atavismo esquerdista ou na ressaca de escândalos políticos. Em 2003, antes do Waldomiro, do mensalão, dos vampiros e dos aloprados, o Senado rejeitou projeto do petista Tião Viana que proibia decisões sigilosas. Em setembro de 2006, depois dos escândalos e a um mês das eleições, a Câmara aprovou uma proposta semelhante, mas não concluiu a votação do projeto. Citando o poeta Oswald de Andrade: As coisas vão / As coisas vêm / As coisas / Vão e vêm / Não em vão.
Na origem, o voto secreto protegia os representantes do povo contra a tirania do rei. No Brasil, o ritual se aplica quando o Senado examina os nomes de embaixadores e ministros do Supremo, indicações personalíssimas do presidente da República. Também é secreto o voto de deputados e senadores para derrubar vetos do Executivo a leis aprovadas pelo Congresso, um clássico do confronto entre poderes. Nesses casos, quebrar o sigilo não tornaria o Congresso mais transparente, apenas mais vulnerável.
Temos ainda o sigilo nos processos de cassação, que não favorece a independência do Legislativo, mas a cumplicidade corporativa, segundo a opinião estabelecida. É verdade que o voto secreto preservou Renan, mas serviu para cassar Jabes Rabelo, ex-deputado suspeito de ligações com o tráfico internacional, em 1990, e o poderoso José Dirceu, em 2005. O ex-ministro queixa-se até hoje de que 25 “traidores” prometeram livrá-lo e fizeram o contrário, protegidos – que ironia – pelo voto secreto.
O fim das votações fechadas no Congresso parece uma idéia ousada, mas ela pode se revelar desastrosa
Presume-se que nem Dirceu nem Zebedeu sobreviveriam a julgamentos políticos abertos, vigiados pela opinião pública, com os plenários transformados em pelotões de fuzilamento. A conseqüência mais provável é que os processos por quebra de decoro, caso o voto fosse aberto, viessem a ser banidos do arsenal da luta política. Por sua extrema letalidade, seriam usados apenas para mútua dissuasão e alta chantagem, como os mísseis nucleares ao longo da Guerra Fria.
O processo aberto de cassação seria um erro construído sobre um equívoco. Quem comete um crime, seja senador, seja encanador, deve ser denunciado, processado e julgado por quem de direito: a Justiça. Mandá-lo ao Conselho de Ética é um atalho para dois destinos: o paredão ou a pizzaria. É usurpação de competência, mesmo num país de Justiça lenta ou complacente. Seria menos espetacular e mais eficiente se o Congresso passasse a remeter denúncias contra parlamentares ao Ministério Público e a autorizar que eles sejam processados nos tribunais. É assim em muitos países e assim já foi no Brasil. Deveria voltar a ser.